quarta-feira, 24 de junho de 2015

TAP - voar baixinho - a ideologia da privatização



Racionalizar sobre matéria política é coisa difícil e tendemos, todos e todas, a observar as coisas com um certo estrabismo. Ou miopia. Este é o meu estrabismo. Ou miopia. A privatização da TAP é, antes do mais, uma questão política e ideológica. Sá Carneiro havera sonhado com um governo e um presidente de direita. Esta conjuntura caiu no colo de um estulto, Passos Coelho. Co-adjuvado por um mísero e mesquinho Paulo Portas que, politicamente, dispensa irrevogáveis apresentações. Com a cartilha neo-liberal em alta por essa Europa fora, onde qualquer pensamento económico (que é, por si, uma ciência social, onde, por óbvia virtude, deve imperar o pensamento crítico) fora do baralho é rejeitado liminarmente (como é o caso da Grécia), onde todos devemos ir junto da carneirada, nunca questionando coisa alguma, absolutamente nada (porque eles têm razão, eles têm sempre razão - e se dizem que o caminho para a Europa é este, é porque só há este, porque eles até são as pessoas mais inteligentes do planeta, quiçá do Universo), a privatização da TAP era natural. Inserida numa lógica de privatizar tudo, "porque tudo privatizado é sempre melhor", os neo-liberais, e Passos Coelho, candidamente inserido nessa pandilha, garantem mais uns empregos a altas figuras (altos figurões) que estranhamente, ou não, transitam das administrações de umas empresas para outras, por vezes sem mostrarem quaisquer resultados. Mas mais. Garantem que o Estado fica sem nada. Absolutamente nada. Apenas um gestor das pensões, um agente passivo na difusa figura em que o Estado Social, batalhado e conquistado nas trincheiras, se tornou. O Estado mínimo é a última invenção destes lordes da manipulação, desta gente que paga cada vez menos em subsídios de desemprego, a cada vez menos pessoas, e que se congratulam com descidas de desemprego forjadas pela saída hemorrágica de pessoas para o estrangeiro, algumas em busca de emprego, outras, talvez, de quimeras, devaneios oníricos. Seja como for, partem porque a vida lhes fugiu aqui. Por esta ou aquela razão. Muitos partem porque a vida lhes foi negada, a decência e orgulho de se ser vivo, de se ser pensante, de se ter trabalhado ao longo de anos para obter um papel a dizer que são licenciados, porque tudo isto lhes resultou num rotundo não. Não é possível. Desculpe, mas a sua vida está encerrada até à conclusão dos trabalhos. A nossa vida está toda encerrada até à pérfida conclusão dos trabalhos de delapidação do Estado Social, privatizações fabricadas em linha de montagem.

A privatização da TAP assenta que nem uma luva nesta senda ideológica de vender tudo o que é nosso, desse Estado Social que os nossos e nossas ancestrais conseguiram idealizar e pôr em prática; vender pilares e símbolos do Estado, em troca de patacos (quem sabe se de alguns lugarzinhos para amigos e apaniguados - não me consigo esquecer, nem quero esquecer, a ida de Ferreira do Amaral para Lusoponte, depois de ter sido o responsável máximo do...Ministério das Obras Públicas e Transportes; entre outros exemplos, mas não quero ser mesquinho). Esta é a ideologia vigente que temos. Votada e validada pelos eleitores que, conscientemente, colocam na urna o seu direito e dever. Esta é "a única saída", garantem-nos. Esta é a única via, é a vida ou a morte. Vendermo-nos.

Duas reflexões finais. Como foi possível construir uma Europa com uma moeda única, retirando aos Estados a possibilidade de manipular a sua própria economia monetária, com tantas desigualdades e a tantas velocidades diferentes? E como será possível, segundo esta lógica, safarmo-nos de outra crise económica deste tipo, segundo esta lógica, reafirmo, sem ter nada para vender e fazer dinheiro rápido? É bom lembrar que as crises económicas são cíclicas, e a próxima acontecerá. Seja por causa da Grécia (para mim, leia-se Europa burocrata e neo-liberal), seja por causa do bater de asas de uma borboleta no outro lado do mundo.

(Como isto mete um bocadinho de Grécia, pode ser que fale sobre a helénica situação também)