quarta-feira, 28 de janeiro de 2015



Fez ontem 70 anos que se descobriu, na sua verdadeira dimensão, os horrores de um regime soturno, horrendo, malévolo, tenebroso, nojento. A libertação dos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau veio demonstrar o pior que a Humanidade tem para oferecer. O que de pior tem no seu espírito e mente, aquilo que consegue imaginar, pensar, e executar de uma maneira gélida, desprovido de sentimento algum pelo próximo. A "Solução Final", essa expressão odiosa, um dos símbolos máximos da podridão Humana, que aparece redigida pela primeira vez numa carta de Reinhard Heydrich, e levada a cabo por gentalha como Hitler, Hermann Göring, Heinrich Himmler, Adolf Eichmann, e outros, que visava a remoção dos judeus dos territórios ocupados pela nefasta ideologia nazi, foi, no final, uma matança sórdida e cirúrgica de judeus, ciganos, eslavos, homossexuais, comunistas, socialistas e tudo o mais que lhes fosse "inferior". Um extermínio calculado e executado friamente, sem dó nem piedade, de milhões de pessoas, na época errada, no sítio errado, com hora marcada com um destino horrífico (e qualquer palavra que utilize parece-me sempre um eufemismo). Abriram-se as portas de Auschwitz e Birkenau (onde realmente se passaram os assassinatos) e pode ver-se, pela primeira vez, como um regime, um homem, uma ideia, podem levar homens e mulheres sãos, adultos, conscientes, inteligentes, a serem manipulados por uma visão apocalíptica da Humanidade, uma visão de horror, terror, uma visão de inferno na Terra. É preciso ser completamente claro nesta ideia: grande parte da gente que participou nestas atrocidades e extermínios e genocídios em massa, eram gente de bem, gente inteligente e que, decerto, umas décadas antes jamais se atreveria a dizer que participaria nesta carnificina. É bom que nós tenhamos a consciência plena de que ninguém é imune a absorver o ódio e o desprezo pelo próximo. É nosso dever combater isso pela raíz, dizer não ao ódio fácil, à manipulação populista, ao facilitismo de atribuição de culpas pelo estado a que chegámos.
Quando leio bojardas deste tipo, vindas de quem vêm, só posso ficar apreensivo e enojado. A senhora Merkel devia ter presente o que está neste momento a fazer à Europa, segregando os povos do sul, para manter o seus país pujante e com uma economia crescente, com belos ordenados. Enquanto o sul se depaupera, se transforma em sítios de mão-de-obra barata, para que as grandes economias cresçam à sua custa. A sua visão, e da maior parte destes rascos governantes que temos, incluíndo em Portugal, desta Europa, é uma visão que conduzirá, inevitavelmente, a situações de desigualdade brutal e descarada, de fome, de necessidade, de pobreza. Eu preferia que ela se preocupasse verdadeiramente com isso, mais o seu Ministro das Finanças, que é o Ministro das Finanças europeu, que viesse chorar para terreiro o que se passou há 70 anos. Não que não ache que o deva fazer. Acho que deve retratar-se e falar como mais lhe aprouver dadas as circunstâncias. Mas os acontecimentos trágicos do passado, deviam servir de lição para o futuro. E as políticas de segregação impostas, em primazia, pelo Estado Alemão, aos países mais pobres, não podem resultar em nada de bom.
A Europa vive, novamente, momentos conturbados. A orda nazi e fascista anda aí à espreita. Em alguns casos, já ganharam relevo suficiente para vencer eleições, como no caso de França. É preciso nunca baixar a guarda. É preciso combater esse bando de facínoras que nos querem impôr, de novo, regimes bélicos, segregacionistas, regimes de ódio. É preciso combater as raízes dos problemas. Não cortar os ramos da árvore a eito, só porque nos julgamos num patamar superior de sapiência, quais deuses do Olímpo, olhando as restantes rezes humanas do nosso trono, do nosso pedestal. A brutalidade das imagens como as que foram trazidas a público de sítios como Auschwitz-Birkenau, Dachau, Belzec, Treblinka, Sobibor, ao todo 48 campos de concentração espalhados pelos territórios ocupados pelos nazis, não podem nunca ser apagadas. São um testemunho eterno quer à memória das vítimas, quer às atrocidades que o ser humano pode cometer, mas, sobretudo, são um aviso, sério e grave, do que o futuro nos pode trazer, senão caminharmos, lado a lado, por caminhos de solidariedade, paz, entendimento, fraternidade.
“Vi muitas coisas horríveis e de pesadelo nesta guerra, mas o que testemunhei em Auschwitz ultrapassa a imaginação”, escreveu o militar soviético Georgi Elisavestski numa carta à mulher, quando já era comandante do campo, depois do Exército Vermelho ter assumido o controlo.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Estava quase a dormir. Estava quase. Mas a consciência pesava. Pensava no que se passou hoje, e que foi uma ocupação da mente durante todo o dia. Queria escrever qualquer coisa sobre aqueles actos vis, desprezíveis, sórdidos, que ocorreram hoje em Paris. Que consternou tudo e tod@s. E com toda a razão. Queria marcar território dos que acham que a Liberdade é uma coisa que se deve render e subjugar a religiões, políticas, tendências. Ontem tiveram a resposta. Amanhã terão mais. E depois, e depois, e depois. E, de mim, enquanto não me doam os ossos, o corpo, a alma e a voz, não terão em mim adversário fácil. Durante muitos anos da minha vida, lutei activamente contra todo o tipo de preconceitos. E lutar contra preconceitos, é lutar pela própria Liberdade. Assim me fiz crer. Lutei com movimentos LGBT, com movimentos anti-racistas, com movimentos anti-fascistas, lutei até mais não, para que os, não "sem-voz", mas cuja voz era pouco mais que um sussurro numa sociedade empedernida, velha e caduca, para que esses pudessem gozar de uma Liberdade que me era providenciada de bom grado, e fácil, mas que a el@s era arrancada a ferros, vendida por milhões, e, às vezes, negada, sem justificação. Para mim, a Liberdade é um direito. E é um dever. Um dever daqueles que a têm de lutar por ela até ao último fôlego. Aquilo que aquela Gente, nuns escritórios atarracados, em Paris, hoje, fizeram por todos nós. Contra a intolerância, contra a arrogância da imposição unilateral sobre o que cada um de nós pode ou não pode pensar, escrever, pintar, fotografar, afirmar, enfim. Morreram pela Liberdade. Morreram por tod@s nós. É esse dever incomensurável que nós devemos honrar, essa imensa tarefa de lutar para que tod@s possamos pensar, escrever, pintar, fotografar, dizer, o que quisermos, nunca ofendendo a Liberdade d@s outr@s, mas desafiando os dogmas, desafiando o estabelecido. Assim se conquistaram as mais simples Liberdades, assim se continuarão a conquistar. Nada pode justificar a barbárie de hoje. Nada. "Vingámos o profeta", disseram os energúmenos, enquanto baleavam inocentes, gente que apenas desafiava os dogmas. O que fizeram foi perpetuar a intolerância, a barbárie, o crime, o fascismo. Porcos. Há poucas coisas na vida pelas quais morreria de bom grado (acaso tal tivesse de acontecer, por razões várias); a minha família, uma pessoa a quem eu quero muito, mas não posso nomear, e a Liberdade. De tod@s nós. Daria a minha vida por estas coisas, sendo que a Liberdade é um campo vastíssimo, não quantificável, e que envolve muitas coisas, muitas lutas, muitos reveses, muitas vitórias, mas que nos garante, todos os dias, que possamos fazer as nossas escolhas em consciência, livremente, sem que nos peçam contas por isso. Aquela gentalha que hoje perpetrou aqueles crimes de ignomínia, não entende, sequer, o que estas palavras possam querer dizer. Encontram num fundamentalismo atávico as respostas que querem para perguntas que não fazem sentido. Como me espanta que em pleno século XXI se achem "pessoas" a quem uma bala no corpo de outrém faça mais sentido que o poder simples do pensamento. E pensar de inúmeros personagens da História, muçulmanos, cristãos, judeus, budistas, zoroartristas, etc., que mudaram o curso da mesma através de um livro, de uma observação plausível, de uma crença na ciência. Este medievalismo de pensamento que nos rodeia, esta falta de sentido nas coisas, é-me profundamente atroz. Tira-me o sono. Deixa-me perplexo e abismado. Devolve-me aos cismas que tive, e que tenho, perdurando neles a luta contra as intolerâncias, que tive. O sangue correrá até que ele corra nas veias do último Humano. Até que esta cegueira pare. Até que esta luta de idiotas cesse, para dar lugar a um diálogo de tolerância, de humanismo. Até lá, por muito que me custe dizê-lo, que abomino a violência, a truculência, até lá, a barricada tem que ter uma separação clara. Aqueles que defendem que eu possa escrever estas pobres e parcas linhas que escrevo, e aqueles que exultam o unilateralismo, o fundamentalismo e a barbárie como fontes. Eu estou, estarei, estarei sempre, de um só desses lados. Com tod@s os que me acompanharem, eu os acompanharei sem pestanejar.