quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ensaios

Sorvi mais um golo daquele licor amargo que me arde no estômago. Era como se milhares de espinhos me ferissem as entranhas. À minha volta uma imensidão de gente envolta num fumo e numa luz amena se perdia em conversas de bar enquanto davam os seus goles nas bebidas corrosivas. Eu perdia-me na minha. Sinto-me anestesiado e gosto. Sinto que pairo no ar, sentado naquele banco, e toco as estrelas. Entro numa galáxia e o escuro que me envolve adormece-me. Sou acordado pelo empregado do bar, com um berro. Já me conhece e sabe que tenho esse hábito, o de me perder. “Não quero ter de te levar a casa outra vez. Não te sirvo mais nenhum copo!”, disse, mas não liguei, ainda tinha o meu licor a meio. Vi que as paredes giravam e me embalavam de volta à galáxia, perto das estrelas. Senti-me pequeno. Dei mais um trago daquele licor que corrói e senti-me aquecido nos braços dela. Toquei no seu cabelo loiro e nos seus caracóis soltos e no peito da minha mãe encontrei-me reconfortado. Cantava ao meu ouvido a música de berço que já não me lembrava. Disse-me “Está tudo bem” e acreditei. Acho que estive nos seus braços longas horas, adormecidas. Senti o seu calor e a mão áspera do trabalho que acarinhava o meu tormento e o sossegava. Acordei contrariado, pela voz que me expulsava, mas ainda sentia aquele cheiro, aquele toque aquele sussurro.
O frio da rua gelou-me os ossos. Cambaleei até à esquina e apoiei-me no poste que iluminava a rua. Conseguiria chegar até casa? Faltavam alguns quarteirões…
Um pouco mais à frente vi um homem encolhido pelo frio, nas escadas de um prédio. Cambaleando, procurei uma moeda no meu bolso e estendi-lha e prossegui o meu caminho. Deparei-me com um percurso longo mas sabia que ele não demorava mais de 10m a ser percorrido. Parei a meio e ergui o pescoço para o céu que me cobria. Queria voltar e pairar mas o gelo que sentia não me deixava perder. Apoiei-me na parede e tacteei as ruas até casa. Empurrei a porta sem fechadura e subi as escadas de joelhos até à porta que me introduzia naquilo a que eu chamava casa. Sem forças e zonzo, tirei os sapatos e deitei-me na cama fria e vazia. O escuro do quarto acomodou-me à minha solidão costumeira e gemi por isso. Estava só, mais uma vez. Peguei no frasco que deixava todas as noites debaixo da almofada e bebi tudo. Sabia que ia voltar a pairar nas estrelas. E lá estava ela, dizendo-me ao ouvido “O amor sussurra”.


Por Clara Coelho

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